terça-feira, 28 de junho de 2016

Capítulo 5: NOACs, Transfusão Massiva e coisas com sangue em geral - Parte I

“the cardiologist’s darling, the intensivist’s headache, and the trauma surgeon’s
nightmare”

Moshe Schein, Paul Rogers, Ari Leppaniemi, Danny Rosin
Schein's common sense prevention and management of surgical complications

É isso mesmo. 
NOACs, ou non vitamin K antagonists oral anticoagulants, despertam emoções diferentes em pessoas diferentes.
O aparecimento dos anticoagulantes orais foi, sem sombra de dúvida, um avanço médico extraordinário, sobretudo para doentes com patologia cardiovascular grave. Mas, não existe bela sem senão... juntamente com as vantagens surgiu um corrupio de complicações hemorrágicas, cuja avaliação, manuseamento e prevenção enchem inúmeros capítulos de manuais médicos. 
A varfarina, utilizada inicialmente, e ainda hoje,  como pesticida (sobretudo para matar ratos...) foi usada com fins médicos pela primeira vez em 1954 e continua a droga anticoagulante mais prescrita nos Estados Unidos hoje. Contudo, exibe um perfil farmacodinâmico pouco amigável, sendo muito influenciado pela alimentação e pela interacção com outros fármacos. O risco de sobredosagem e de subdosagem - muito frequentes - obriga à sua utilização aliada a um controlo laboratorial rigoroso.
Os NOACs são uma nova geração... a geração das calças ao fundo do rabo... para uns o último grito da moda, para outros, uma moda rasca.
O composto BIBR 953, conhecido actualmente como Dabigatrano, foi o primeiro NOAC disponível no mercado, recebendo a aprovação da FDA em 2008. O seu parto não foi eutócico. Há muito que se investigavam potenciais anticoagulantes orais alternativos, mas nenhum mostrou ser tão seguro e eficaz como o Dabigatrano. Recordo-me da fase clinica de outros produtos, com tudo pronto para serem distribuídos no mercado, serem retirados de forma expedita após os ensaios mostrarem alterações hepáticas importantes...
Mas entretanto, chegou o Dabigatrano. Prometia ser mais seguro e igualmente eficaz. Com a sua farmacodinâmica mais previsível, o Dabigatrano não necessita de controlo laboratorial. Atrás deste surgiram o Rivaroxabano e o Apixabano. E há mais a caminho... 
NOACs foi a designação inicial destes fármacos e significava new oral anticoagulants. O problema é que, à medida que a ciência avança, estes deixaram de ser novos. No entanto, o termo NOAC já havia penetrado o suficiente o léxico médico que não era possível removê-lo. Muitas das pesquisas efectuadas eram-no com este termo, pelo que se manteve com um novo significado: non vitamin K antagonists oral anticoagulants
As indicações actuais para estas drogas são muito restritas: fibrilhação auricular não valvular e tratamento e profilaxia da doença tromboembólica (periférica ou pulmonar). O futuro poderá ver surgir mais, mas actualmente apenas estas são aprovadas pelo FDA. Mas a varfarina será ainda utilizada por muito tempo.

O problema é a hemorragia... essa é uma complicação comum a todos os anticoagulantes, orais ou parenterais. Nos estudos, os NOACs revelaram ser mais seguros que os dicumarínicos, mas com uma taxa de complicações hemorrágicas não desprezível. E se existem situações clínicas que cursam com hemorragias espontâneas, imaginem como é quando estes doentes precisam de ser operados. Habitualmente já se trata de doentes idosos com polipatologia e polemicados. Acresce-lhes a morbilidade de tomarem um anticoagulante. Por vezes associado a um antiagregante... como é para resolver este problema?
Em circunstâncias de rotina parece fácil. Se a situação é de risco tromboembólico suficientemente elevado, será necessário fazer "bridging" com heparina de baixo peso molecular. A semi-vida curta dos NOACs permite a sua suspensão 48 horas antes da cirurgia, em segurança. Excepto em doentes com insuficiência renal ou hepática... 
Já na urgência... a coisa é diferente. O doente precisa de ser operado rápido. Como é fácil de perceber, não existem guidelines para a urgência sobre este assunto. Sobre cirurgia de rotina há muito material, mas sobre urgência... Pelo que, a opção será utilizar as guidelines da rotina e adaptá-las ao ambiente mais inesperado do serviço de urgência.
Se o doente precisa de ser operado já, como em casos de sépsis grave e/ou trauma, opera-se já. Se a indicação cirúrgica é a hemorragia, há que reverter a anticoagulação de forma adequada. Activar o Protocolo de Transfusão Massiva (para quem tem) e operar o doente para parar a hemorragia. Se a indicação é sépsis, a literatura recomenda que não seja revertida a anticoagulação, a não ser em caso de hemorragia intra ou pós-operatória moderada a grave.
Se o doente puder esperar, há que saber como tem a coagulação e, se estiver muito alterada, esperar o suficiente para as alterações normalizarem (habitualmente 12 a 24 horas). Podem usar-se os resultados do APTT e do PT.
Há excepções, claro. Os doentes com insuficiência renal, cirrose, medicados com antiagregantes ou com fármacos que competem na metabolização hepática dos NOACs como a Amiodarona, o Verapamilo, a Rifampicina e o Ketoconazol. Entre outros. Nestes caso, talvez seja melhor também reverter. No caso do Dabigatrano o doente pode ser dialisado para eliminar o fármaco do sangue.
A reversão deve ser efectuada com Concentrado Protrombínico (25 a 50 U/kg). Existem outras opções, como o plasma fresco, mas neste aspecto a literatura é unânime. Nada de factor VII activado, é perigoso e não ajuda.

A retoma do NOAC é importante, já que os doentes tomam este medicamento porque têm patologia que os predispõe a fenómenos tromboembólicos. Por isso, há que retomar o NOAC logo que seja possível. Isto significa que, em cirurgias de baixo risco hemorrágico pode ser logo após 12 horas da intervenção. Em caso de cirurgia de elevado risco, há lugar para uma substituição por heparina de baixo peso molecular durante o período crítico e re-iniciar o NOAC logo que possível, sempre 12 horas após a última toma de HBPM.

E sobre NOACs, em resumo, é isto...


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