domingo, 26 de junho de 2016

Capitulo 3: A ecografia ...

Tudo começou com uma banheira... Bem, a acústica, a ciência do som, era já conhecida por Pitágoras no século 6º a.C. e os ultra-sons foram utilizados pelo Homem pela primeira vez na detecção de submarinos, em 1917. Há muito que se sabia que existiam sons não detectáveis pelo ouvido Humano. A ecolocalização utilizada pelos morcegos foi descoberta por Lazzaro Spallanzani em 1794 (biólogo italiano do século XVIII). Mas a utilização médica, aquela que conhecemos hoje, começou numa banheira. O doente era colocado dentro da banheira, esta era cheia com água e o doente era bombardeado com ultra-sons. Nem sei se alguma vez estes aparelhos primitivos foram usados clinicamente.
 Foi a descoberta de um cristal que possuía propriedades piezeléctricas (Pierre Curie) que permitiu a evolução daquilo que hoje conhecemos como sonda, que mais não é do que um transdutor, capaz de transformar a energia eléctrica em acústica e vice-versa.
Desde os primeiros tempos da Medicina moderna, muito se evoluiu. A ecografia, porque é disso que se trata - a detecção e visualização de ecos - tem sido utilizada por diversas especialidades com objectivos distintos. Inicialmente monopólio da Imagiologia (então chamada de Radiologia, deixando esse nome de fazer sentido quando incorporaram a ecografia nos seus meios de diagnóstico) a ecografia foi sendo progressivamente integrada em outras especialidades como Gastroenterologia, a Ginecologia/Obstetrícia, a Oftalmologia, entre outras.
A Cirurgia Geral já usa a ecografia há muito tempo. A sua utilização intra-operatória verifica-se há longa data e tem ajudado os cirurgiões, sobretudo na área hepatobiliar, a tomar decisões importantes. A literatura refere que a ecografia é responsável pela modificação da estratégia cirúrgica em 1/3 das laparotomias por metástases de neoplasia colo-rectal. Porém, desde há alguns anos, a ecografia tem sofrido um progressivo processo de vulgarização. A escassez de Imagiologistas nas escalas de urgência, sobretudo fora-de-horas, e a necessidade de praticar uma "Medicina baseada na evidência" criaram a necessidade de disponibilização de um método de imagem moderno, fiável e de fácil interpretação. Era, e tem sido, possível, utilizar a TC relatada por telemedicina, mas quem conhece os cirurgiões sabe que isso não seria suficiente. A ecografia parecia, de facto, a resposta às necessidades. Seria necessária a aquisição de experiência e ultrapassar uma curva de aprendizagem longa. Seria necessário ensinar os olhos a ver anatomia em pontos brancos em vez de "ao vivo". E...
Tudo começou com o FAST - Focused Assessment with Sonography in Trauma. Fácil e rápido, com uma curva de aprendizagem desprezível. Só havia que encontrar o risco preto em 4 janelas bem definidas. A sua eficácia é fácil de demonstrar. Basta dizer que a sua utilização sistemática eliminou por completo (quase - ainda existem algumas indicações muito restritas para a LPD) a necessidade de realizar a lavagem peritoneal diagnóstica e passou a ser o exame obrigatório em ambiente de trauma.
Seguidamente apareceu o e-FAST - extended FAST - que permitia o diagnóstico em segundos da presença de um pneumotórax. Dada a sua utilidade no trauma, a incorporação do mini-exame torácico ao FAST foi o passo lógico. Rapidamente se percebeu que a acuidade diagnóstica da ecografia na detecção de pneumotórax estava a anos luz da da radiografia do tórax em decúbito.
O resto veio com a experiência. Vários grupos, no mundo inteiro, iniciaram uma evangelização dos cirurgiões que culminou na percepção que o ecografo é o estetoscópio do futuro e a ecografia não é mais do que uma extensão do exame físico. Agora, não apenas os cirurgiões aprendem ecografia. Os intensivistas, os médicos de urgência, entre outros, aprendem diversos protocolos ecográficos para o estudo de várias cavidades: abdómen, tórax, membros e até crânio...

A introdução da ecografia no curriculum do cirurgião parece-me o passo a seguir. Já o é em muitos países, sobretudo aqueles que possuem um curriculum definido de cirurgia de urgência.
Para começar, existem diversos cursos de iniciação de elevada qualidade e que permitem dar os primeiros passos. Mas o mais importante é praticar. A prática da ecografia é, seguramente, a melhor forma de ultrapassar a curva de aprendizagem, adaptando o nosso cérebro a olhar para as estruturas de uma forma gráfica diferente. Para uns será mais difícil do que para outros, mas o tempo e a prática permitirão que o nosso olho se adapte ao pontilhismo da ecografia. É como naquelas imagens escondidas que só após alguns minutos começamos a entender o que está escondido sob o primeiro plano.

Sob a égide da ESTES - European Society of Trauma and Emergency Surgery - foi desenvolvido um grupo de trabalho, constituído por entusiastas da ecografia, que criou a marca MUSEC - Modular UltraSound ESTES Course. Este é um curso  modular, com módulos básicos e avançados, para iniciantes e praticantes poderem aprender e iniciar a prática desta modalidade diagnóstica em diversos ambientes de urgência - trauma, urgência abdominal, trombose venosa, tecidos moles, etc.
Após o curso inaugural em Lyon em 2013, já foram realizados mais de 30 cursos em vários países da Europa, incluindo Portugal. O curso tem tido uma óptima aceitação entre os participantes e os seus instrutores são todos cirurgiões que praticam ecografia no seu dia-a-dia desde há muito, empenhados em difundir este conceito. Para mais informações podem aceder ao site:
http://www.thesoundofthebody.org/

Bibliografia recomendada:

Schmidt, G. and Beuscher-Willems, B. (2007). Ultrasound. Stuttgart: Thieme.
Wu, T. and Carlson, R. (2014). Ultrasound. Philadelphia, PA: Elsevier.
Zago, M. (n.d.). Essential US for trauma.




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